Qual o problema de buscar excelência naquilo que fazemos? Qual o mal em estabelecer metas ambiciosas, que exijam dedicação e contínuo aprimoramento?
Focar no autodesenvolvimento, definitivamente, não é um propósito equivocado.
Porém, quando falamos em perfeccionismo, estamos nos referindo a entendimentos que extrapolam objetivos razoáveis.
O que é perfeccionismo
Perseguir o perfeccionismo é mirar a perfeição. E a perfeição, sabemos (ou deveríamos saber) é inatingível.
Quando nos deixamos guiar pelo perfeccionismo, estabelecemos padrões excessivamente altos. Nos cobramos atingir tais padrões. Então, se alguma coisa destoa da imagem idealizada — se cometemos algum erro — nos criticamos duramente em função da falha.
Mais do que isso: concentramos toda nossa atenção na falha.
Ignoramos os demais aspectos de um resultado (de um encontro, de uma conversa, de um desempenho) para observar e retomar o ponto onde “as coisas deram errado”. Como se aquele momento de frustração pudesse definir a experiência completa.
Ao pensarmos assim, atribuindo ao erro tamanha importância, é natural que façamos de tudo para evitá-lo — o que, por sua vez, pode nos levar a uma preocupação excessiva e paralisante. Por outro lado, já que nos preocupamos tanto em cuidar de cada detalhe, quando o erro acontece, mergulhamos em culpa e impiedosa autocrítica.
Ou seja, longe de levar ao crescimento pessoal, o perfeccionismo nos sobrecarrega com exigências e expectativas inalcançáveis.
Além disso, se esperamos que tudo esteja “impecável” para encontrarmos satisfação com o que fazemos e vivemos, serão raros os momentos em que nos sentiremos bem, não é mesmo?
Identificando os tipos de perfeccionismo
Podemos aprofundar nossa compreensão sobre o perfeccionismo entendendo de que formas ele costuma se manifestar.
Sendo assim, é interessante que você conheça três diferentes tipos de perfeccionismo. Veja se você se identifica com algum deles ou, possivelmente, com mais de um:
1. Perfeccionismo pessoal
O perfeccionismo pessoal (ou auto-orientado) tem foco na autoavaliação.
A pessoa com esse padrão perfeccionista, exige de si, desempenhos irrepreensíveis. Em função disso, qualquer erro, falha, imperfeição ou resultado além da expectativa acaba sendo percebido de forma desproporcional, causando profundos abalos na autoestima e na autoconfiança.
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2. Perfeccionismo social
O foco deste tipo de perfeccionismo está na avaliação que a pessoa acredita que os outros fazem dela. Nesse caso, o esforço de parecer perfeito visa atender (supostas) expectativas alheias.
O medo de sofrer rejeições e críticas é, em grande parte, a causa desse tipo de perfeccionismo.
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3. Perfeccionismo orientado para os outros
Por fim, existe o perfeccionismo dirigido ao que se espera dos outros.
Claro, mais uma vez, os padrões são bastante exigentes e rígidos.
Perfeccionistas deste tipo podem ser intolerantes com erros (ou “defeitos”) de pessoas próximas, enfrentando muita dificuldade em seus relacionamentos.
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Causas do perfeccionismo
As pesquisas sugerem que a origem do perfeccionismo pode estar relacionada com fatores genéticos, bem como com a forma como desenvolvemos nossas cognições (ou seja, as interpretações que nosso cérebro faz de todas as informações captadas pelos cinco sentidos, que transformamos em nossas crenças e nosso “jeito de ser”).
Em relação às nossas cognições, o estabelecimento de padrões perfeccionistas pode ser resultado de:
- Modelos parentais — convivência com pais perfeccionistas. As referências familiares são muito significativas no processo de aprendizagem. Logo, ainda que os pais não exijam, dos filhos, a mesma excelência de desempenho com a qual estão comprometidos, quando crescemos em um ambiente familiar que se mostra intolerante com o erro, assimilamos essa forma de pensar e de se comportar.
- Educação muito rígida. Novamente, o papel dos pais é importante. Quando interpretamos que apenas o alto desempenho é bem-visto (em contrapartida às falhas, que geram severas críticas), acreditamos que, para sermos aceitos (e amados) precisamos buscar a perfeição em tudo o que fazemos. O ambiente escolar também pode contribuir para a elaboração desse tipo de compreensão.
- Bullying, abusos emocionais e exclusão. Sofrer humilhações ou se ver excluído de atividades em função de certas características ou inabilidades pode levar — desde a criança até o adulto — a buscar compensar as “falhas” que geram a rejeição.
- Contexto cultural. Competições e comparações com o sucesso atingido por outras pessoas são situações muito fomentadas por nossa cultura. Não é incomum, portanto, que façamos uma associação entre nosso valor e nossas conquistas. Por isso, quando fracassamos (ou, apenas, não nos saímos tão bem quanto outra pessoa) podemos nos sentir inferiores. Adotar padrões perfeccionistas seria, assim, uma consequência dessa constante comparação. Veja, não estamos falando da busca pela saudável superação de si mesmo, com objetivo de autoaprimoramento. O perfeccionismo, aqui, é uma resposta à tentativa de superar os outros, visando apenas resultados melhores — que, por sua vez, são usados como bases da autovalorização.
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Problemas gerados pelo perfeccionismo
Expectativas de perfeição e baixa tolerância ao erro — direcionadas a si mesmo e/ou aos outros — podem tanto gerar quanto manter problemas de saúde física e psicológica, tais como:
- Distúrbios alimentares;
- Ansiedade;
- Procrastinação;
- Preocupação excessiva;
- Insônia;
- Fadiga crônica;
- Transtorno obsessivo-compulsivo;
- Depressão;
- Raiva excessiva;
- Dificuldades de relacionamentos;
- Baixa autoestima;
- Estresse;
- Síndrome de burnout.
Mas por que o perfeccionismo pode causar tantos problemas?
Porque erros, falhas e limitações são inevitáveis. Se os transformamos em perigos terríveis, viveremos em constante estado de alerta. E se não soubermos lidar com os tropeços e imperfeições, vamos nos punir e colocar em dúvida o nosso valor (ou o valor dos outros) sempre que nos depararmos com alguma situação que, na verdade, peça resiliência.
Abandonar o perfeccionismo não significa se conformar com a “mediocridade”. O segredo é saber que “bom o suficiente” é uma alternativa mais viável e favorável em diversas ocasiões.
Como “funciona a mente” de uma pessoa perfeccionista
Entender como “funciona a mente” de uma pessoa perfeccionista é essencial para que você possa compreender o motivo do perfeccionismo estar associado a problemas como ansiedade, estresse e depressão.
E, para entendermos como “funciona a mente”, precisamos levar em conta que todos nós — perfeccionistas ou não — temos certas tendências de pensamentos.
Melhor dizendo: todos nós, ao longo da vida, formamos determinados padrões de interpretação aos quais costumamos recorrer quando avaliamos diferentes situações.
Esses padrões refletem nossas experiências de vida, a educação que recebemos, as influências culturais e sociais a que fomos expostos. Ou seja, são reflexos da forma como elaboramos nosso conhecimento sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos.
A questão é que, nem sempre, nossas avaliações são corretas. Mas as consideramos tão verdadeiras que, em vez de tratá-las como hipóteses, passamos a enxergá-las como fatos incontestáveis.
Mas interpretações não são fatos, concorda? Tanto é que, diante de uma mesma situação, pessoas diferentes têm interpretações diferentes.
Pessoas perfeccionistas, por exemplo, interpretam erros, falhas e limitações de um modo distinto daquele que pessoas não perfeccionistas podem interpretá-los.
Em outras palavras: o erro pode ser um fato. Já o sentido que ele adquire depende da forma de avaliá-lo, do sentido e importância atribuídos a ele.
Principais pensamentos distorcidos de pessoas perfeccionistas
A terapia cognitivo comportamental (TCC) identifica padrões de pensamentos distorcidos (ou distorções cognitivas) que comprometem as análises que fazemos dos fatos.
Com a TCC, passamos a entender que boa parte do sofrimento psicológico que enfrentamos é resultado dessas distorções cognitivas — ou interpretações equivocadas, que adotamos como verdades absolutas.
Abaixo, listamos as principais distorções de pensamento relacionadas ao perfeccionismo.
Conhecê-las será uma forma de entender melhor como “funciona a mente” de uma pessoa perfeccionista.
1. Visão em túnel
A visão em túnel é uma distorção cognitiva que implica em concentrar toda a atenção no aspecto negativo de uma situação.
Não é raro que pessoas perfeccionistas tenham esse olhar ao interpretar os fatos.
Uma vez que apenas o aspecto negativo tem relevância na análise, a totalidade da situação é julgada por esse ângulo.
Sendo assim, um erro cometido na realização de uma prova, por exemplo, torna-se o parâmetro para pensar que o desempenho foi ruim, mesmo alcançando uma boa nota.
2. Catastrofização
Você está lembrado que, no início do texto, falamos que nossas interpretações são hipóteses sobre o que aconteceu ou pode acontecer?
Pois bem, ao falarmos em catastrofização, a hipótese a qual nos apegamos é sempre a pior possível.
Em função dessa distorção de pensamento, o perfeccionista tende a imaginar que o desfecho de uma determinada situação — na qual cometeu ou possa cometer um equívoco — será, necessariamente, terrível.
3. Rotulação
Outra distorção cognitiva comumente associada ao perfeccionismo é a tendência a rotular as pessoas, o mundo e/ou a si próprio, com base em situações específicas.
Um rótulo, nesse sentido, é uma generalização, uma avaliação precipitada, que se atém a determinados eventos ou comportamentos para definir como as coisas ou as pessoas são, de um modo global.
Pessoas perfeccionistas são bastante intolerantes a falhas. Logo, podem rotular a si mesmas como incompetentes, diante de um único deslize.
Também podem dirigir seus padrões perfeccionistas a outras pessoas, rotulando alguém como inadequado, apenas porque a pessoa teve um comportamento que considerou “reprovável”.
Certamente, a rotulação prejudica a autoestima quando relaciona o adjetivo negativo à avaliação que a pessoa faz de si própria.
Porém, rotular os outros é igualmente problemático, causando dificuldades de relacionamentos. Afinal, se as pessoas precisarem, sempre, atender às altas expectativas perfeccionistas para serem aceitas, muitos amigos e possíveis pares românticos serão “descartados” rapidamente.
4. Pensamento tudo ou nada
O pensamento tudo ou nada diz respeito a um tipo de interpretação que se vale de posições extremas para estabelecer conclusões.
Um sinônimo conhecido para essa distorção cognitiva é a expressão “8 ou 80”.
Quer dizer, ou algo está absolutamente certo ou está errado; ou algo é perfeitamente bom ou é ruim. Não há espaço para meio-termo.
Não é difícil perceber a conexão entre o pensamento tudo ou nada e o perfeccionismo, uma vez que pessoas perfeccionistas tendem a analisar as circunstâncias a partir de valores extremos.
Por exemplo, a pessoa perfeccionista pode considerar que seus esforços para se sair bem numa competição esportiva foram inúteis, pois não ficou em primeiro lugar.
O pensamento tudo ou nada também pode estar por trás de um dos principais problemas gerados pelo perfeccionismo: a procrastinação.
Se um trabalho (ou qualquer atividade prática) precisa ser realizado com perfeição para ter valor, podemos adiá-lo — ou desistir dele — enquanto a “execução primorosa” parecer inviável.
5. Declarações do tipo “deveria”
Declarações do tipo “eu devo”, “eu preciso”, “eu tenho que” ser ou fazer as coisas de tal modo são muito presentes no cotidiano de uma pessoa perfeccionista.
Em diversas situações, as afirmações de deveres são pontuadas como regras, que orientam as ações.
Lógico, não haveria problema se as declarações fossem vistas com certa flexibilidade. É positivo estabelecer padrões de comportamento, que visam nosso bem-estar.
O problema é que, para os perfeccionistas, os padrões são excessivamente rígidos e exigentes. Logo, se um “dever” não se concretiza da forma como é idealizado, abre-se espaço à severa autocrítica, culpa e vergonha.
“Eu devo ser o melhor”. “Eu deveria ter acertado 100% das questões”. “Eu tenho que ser pontual em todos os compromissos”. Esses são alguns exemplos desse tipo de declaração.
Contudo, o perfeccionismo, mais uma vez, também pode ser dirigido aos outros. “Ela tinha que ter me contado”, “Ele não devia ter feito isso”, “Ele devia ter feito melhor”… Assim, espera-se que as pessoas correspondam aos padrões de exigência, cumprindo o “deveria” com rigor, a fim de que sejam bem avaliadas pelo perfeccionista.
Quando aprendemos a reconhecer as distorções cognitivas, podemos avançar para o próximo passo. Ou seja, começar a questioná-las, considerando evidências que as coloquem em xeque.
A terapia cognitivo comportamental concentra boa parte de suas estratégias nesse intuito — auxiliar a pessoa a descobrir seus erros de pensamento para que possa confrontá-los e substituir o padrão de interpretação disfuncional (prejudicial) por formas de pensar mais saudáveis e racionais.
Sendo assim, pessoas perfeccionistas, que vivenciam dificuldades em seu dia a dia, podem encontrar, na terapia, um importante recurso para lidar com o problema.
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