Na terapia cognitivo-comportamental (TCC), comumente tratamos as distorções cognitivas. São comportamentos comuns e todos estamos propensos a segui-los — em maior ou menor grau. E, dentre as distorções cognitivas, há o pensamento “tudo ou nada”.
Esse modelo de pensamento tudo ou nada, também costuma ser tratado como: pensamento dicotômico, pensamento absolutista, “preto ou branco”, “8 ou 80” ou polarizado.
Para deixar o conceito desse tipo de distorção cognitiva bastante claro, podemos mencionar a forma como o Dicionário de Psicologia da APA (Associação Americana de Psicologia) conceitua o termo:
“Pensamento dicotômico é a tendência de pensar em termos de polos opostos — isto é, em termos do melhor e do pior — sem aceitar as possibilidades que existem entre esses dois extremos. O termo tem sido usado para caracterizar a tendência das pessoas com transtorno depressivo de ver eventos levemente negativos como extremamente negativos. Mas o papel potencial desse pensamento em outras condições (por exemplo, transtornos alimentares e transtornos de personalidade) também está sob investigação. Também chamado de pensamento polarizado.”*
Exemplos de pensamento tudo ou nada
O psiquiatra americano Aaron Beck e o psicólogo americano Albert Ellis foram os primeiros a explorar o campo das distorções cognitivas, apresentando, dentre elas, o pensamento tudo ou nada.
O padrão de pensamento dicotômico tem relação com os julgamentos que uma pessoa faz sobre si mesma, sobre as próprias experiências ou de outras pessoas, sempre colocando esses julgamentos em apenas duas categorias, tais como:
- completamente mau ou muito bom;
- fracasso total ou sucesso absoluto;
- sempre ou nunca.
- repleto de defeitos ou perfeito.
Ou seja, não há um meio-termo. São dadas sentenças categóricas sobre si e o outro e, claro, esse modelo de pensamento pode levar a comportamentos extremos, sem bases racionais para qualquer análise.
A presença concreta desse pensamento pode ser observada em situações do dia a dia. Por exemplo, quando a pessoa pensa em termos de “tudo ou nada”, uma entrevista de emprego pode se tornar motivo de culpa e vergonha se, em uma das perguntas, ela não se saiu muito bem. Não importa que seu desempenho tenha sido excelente em 95% da entrevista. Ela tenderá a se apegar aos 5% menos promissores para considerar a experiência como um grande fracasso.
O padrão de pensamento dicotômico também tem impacto na busca de hábitos saudáveis. Como não existe um meio-termo, basta que ocorra algum deslize para que o novo hábito seja descartado da rotina. Em outras palavras: em função da distorção cognitiva, a pessoa considera que falhou em sua meta — de comer bem, se exercitar ou parar de fumar, por exemplo — apenas porque teve uma “recaída”. A consequência comum, já que tudo é “8 ou 80”, é que mau hábito — que se pretendia eliminar — volte a ditar o estilo de vida.
Os prejuízos gerados pelo pensamento absolutista são discutidos por Jennifer Shindman, doutora em Psicologia, em artigo sobre o tema, publicado no site do Instituto Albert Ellis:
“Embora seja verdade que somos afetados negativamente quando as coisas não acontecem do nosso jeito, não precisamos dar um passo adiante e deixar que essas coisas influenciem toda a nossa experiência.
Por exemplo, se alguém avalia globalmente sua vida pensando que perder o emprego significa que sua vida acabou, essa pessoa estará em maior risco de sentir uma emoção negativa doentia, como depressão ou ansiedade. Esse indivíduo está negando e perdendo de vista tudo o mais que é bom em sua vida.
Embora seja verdade que um trabalho é uma parte muito importante da vida, não é tudo. Ainda há saúde, amigos, família, interesses, etc. Mas quando fazemos declarações globais abrangentes, tudo isso desaparece.
Como não podemos ver o que resta de bom em nossas vidas, é mais provável que o negligenciemos e não tiremos proveito disso. Nossas outras responsabilidades podem cair no esquecimento, pois fazem parte da vida, que agora vemos como ‘acabada’.
Além disso, se acreditamos que a nossa vida é mais sobre a ‘perda de um emprego‘, é menos provável que sejamos pró-ativos na tentativa de remediar a situação e encontrar um novo trabalho.
Esse tipo de pensamento tudo ou nada, ou preto e branco, pode realmente nos colocar em apuros! Portanto, é importante que trabalhemos para permanecer no cinza.”*
Como você pode constatar, o padrão de pensamento distorcido pode prejudicar os relacionamentos em todos os âmbitos e, ainda, agravar episódios de depressão.
Por isso, se torna tão importante tratar sobre o tema, esclarecendo sobre o que é o pensamento tudo ou nada, quais as suas principais características e como a terapia cognitivo-comportamental pode ajudar no processo de desconstrução desse modelo de pensar.
Pensamento desequilibrado e suas consequências à saúde física e mental
Pessoas que assumem esse modelo de pensamento distorcido sobre a própria realidade tendem a enfatizar aquilo que não está bom em suas vidas. Ou seja, o aspecto negativo.
Geralmente, essas pessoas utilizam em seu cotidiano frases como “nada comigo dá certo”, “as pessoas sempre se aproveitam de mim”, “nunca consigo nada”, entre outras. Também afirmam que têm uma postura “8 ou 80” e, por pensarem de maneira absolutista, costumam tender a comportamentos precipitados, que podem influenciar diversas áreas de suas vidas.
Essas distorções cognitivas interferem na qualidade de vida de uma maneira que não dá para perceber facilmente.
O pensamento tudo ou nada pode influenciar negativamente a saúde, podendo ser precursor dos transtornos alimentares, por exemplo.
A pessoa que possui o comportamento absolutista tende a desenvolver a compulsão alimentar — ora come por impulso e sem conseguir estabelecer limites, ora elimina completamente os alimentos da rotina e passa a sentir extrema fraqueza e fadiga.
A pessoa não consegue estabelecer limites e equilíbrio na vida, o que inclui rotina profissional e cuidados básicos com a saúde e alimentação.
Quando esses pensamentos absolutistas são adotados, a pessoa costuma assumir uma postura não saudável nos seus relacionamentos.
Além disso, não consegue analisar racionalmente as próprias condutas, o que dificulta o processo da mudança comportamental.
Como a TCC pode ajudar a mudar distorções como o pensamento ‘tudo ou nada’?
Aos poucos, ao longo da vida, essas distorções cognitivas vão se tornando parte do modelo de pensamento da pessoa — o que significa que não é algo fácil de se desvencilhar.
A terapia cognitivo-comportamental, unida ao esforço diário do paciente, pode eliminar grande parte dessas distorções, ajudando, principalmente, na identificação desses pensamentos automáticos.
Em artigo publicado no site Psychology Today, Ellyn Kaschak — doutora em Psicologia Clínica e professora de Psicologia na San Jose State University — endossa a recomendação:
“Muitas formas de psicoterapia, em particular as abordagens cognitivo-comportamentais, tentam ajudar os indivíduos a se libertarem do pensamento dicotômico ou preto e branco. Essa mudança permite que eles resolvam seus problemas de forma mais criativa e eficaz, pois são libertos da prisão da escolha limitada.”*
O psiquiatra britânico John Bowlby e outros especialistas da área comportamental observaram que existe a necessidade de que os seres humanos desenvolvam esquemas para conseguirem lidar de maneira saudável e equilibrada mentalmente com as inúmeras informações com as quais se depararam em seu cotidiano.
Mas, para desenvolver esses esquemas, muitas vezes é necessário ajuda especializada.
Quando existe essa distorção do pensamento “tudo ou nada”, normalmente, a pessoa tem experienciado dificuldades e encontrado obstáculos em si mesma para superá-las.
Mudar esse pensamento dicotômico implica na postura do paciente de assumir uma nova visão sobre a própria vivência, sobre o seu comportamento atual e o que pode mudar prontamente.
As sessões de psicoterapia estruturadas atuam no auxílio da resolução dos problemas presentes do paciente.
O papel da TCC é ajudar a pessoa a desenvolver habilidades para a solução de problemas e para a mudança do padrão de comportamento e pensamento. Esse é um benefício que fará parte do decorrer de sua vivência, garantindo o seu bem-estar emocional.
Outros textos que podem te ajudar:
➜ Psicoterapia online: neste texto, explicamos como funciona o atendimento psicológico online e tiramos todas as suas dúvidas. Se estiver considerando a opção de fazer terapia via internet, você vai achar o artigo muito útil!
➜ Primeira consulta com psicólogo: excelente dica de leitura para aqueles que nunca fizeram terapia. Se você tem curiosidade de saber como é uma sessão de terapia e como atua o psicólogo, clique no link em destaque.
➜ Como parar de procrastinar: dicas práticas — e bem detalhadas — que vão te ajudar a vencer esse mau hábito (bastante comum quando o pensamento de tudo ou nada se faz presente).
➜ Força de vontade (dicas e considerações da Psicologia): certamente, outra habilidade que você vai querer desenvolver se estiver disposto a se livrar de distorções cognitivas. O texto está repleto de informações e frases de pesquisadores que se dedicam ao estudo do tema. Confira!
➜ Autocrítica: o que é? Como lidar? Você sabe reconhecer os sinais de autocrÍtica excessiva? Dê uma olhada neste artigo, pois o pensamento muito crítico em relação a si mesmo tem conexões com o pensamento dicotômico que podem te surpreender.
* Tradução nossa.
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Muito bom esse site, gostei bastante!!
Muito obrigada pelo comentário, Gabi!
Espero que possamos te oferecer várias leituras interessantes.
Seja sempre bem-vinda por aqui 😊